UM GALHO MENOR
EM UM ARBUSTO NO BOSQUE DA LITERATURA
(Antonio Cândido)
PORTUGUÊS COMO IDIOMA-BARREIRA
E TRADUÇÃO INCIPIENTE INVIABILIZAM
AMPLITUDE DE RECONHECIMENTO DA
PRODUÇÃO LITERÁRIA BRASILEIRA
Márcio Almeida
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Fato: os estrangeiros, ainda que latino-americanos, não têm o mesmo interesse em traduzir obras de autores brasileiros como os brasileiros em relação a escritores do exterior. Aqui, enquanto se traduz, publica e se mantém polpudo mercado editorial para livros estrangeiros, de auto-ajuda a científicos, de best-sellers a publicações de conveniência, lá fora é restrito o volume de volumes de autores brasileiros. Raros são os autores brasileiros que logram traduções em vários países, enquanto no Brasil é comuníssimo encontrar obras que chegam já referendadas em diversos idiomas. Não há no exterior, em relação à produção literária brasileira, a mesma acuidade, boa vontade, interesse, que o mercado interno disponibiliza para autores europeus, norte-americanos ou orientais.
Tenho recebido de alguns dos mais conceituados especialistas em minificção e poesia da AL e dos Estados Unidos, p.ex., o argumento de que lá fora os minificcionistas e poetas, como de resto até mesmo bons autores de contos, novelas e crítica, não serem (re)conhecidos a pretexto de a língua portuguesa não ser idioma palatável para o leitorado que via de regra lê em inglês, espanhol ou outra língua, menos, é claro, na “inculta e bela.”
“Não que a literatura brasileira seja pior ou melhor que as outras. O problema é que ela é escrita em português. Resultado: existem pouquíssimas traduções de autores brasileiros em outras línguas, e mais raras ainda são as traduções boas”, escreve AMORIM (2009) em um blogue que questiona qual a importância da Literatura brasileira no resto do mundo. BRASIL (2008) faz o mesmo: “Os problemas ocupam, no entanto, espaço essencial. O relativo interesse pela língua portuguesa no mundo é um dos principais entraves. Pesquisadores europeus e norte-americanos apontam o espanhol como língua latina de ponta, o que acaba ofuscando as demais. O trabalho feito por institutos culturais como o Cervantes é muito poderoso e faz com que o idioma espanhol ganhe um espaço precioso”. Para haver maior chance de otimização tradutória de autores brasileiros, arremata o resenhista, “o Brasil deveria considerar o Instituto do Livro e o Instituto Camões em Portugal como modelos a serem seguidos.” Gustavo Sorá, professor experiente da Universidade de Córdoba, com formação pós-gradual feita integralmente no Brasil e com 10 anos de vivência brasileira, publicou Traducir el Brasil – una antropologia de la circulación internacional de ideas, no qual discute a presença do livro e dos autores brasileiros na Argentina. Neste livro, afirma que nos países da América hispânica, o espanhol é a potência idiomática para tradução e, “como língua internacional freia o interesse do público pelo aprendizado de outras línguas.” “Daí, - completa sua leitura – não se observa nesses países a mesma abertura que tem o público leitor brasileiro para o uso de línguas estrangeiras nem a disponibilidade de livros do estrangeiro, com exceção dos produzidos nos outros mercados de língua espanhola.”
COELHO (2008), escrevendo sobre o “Diálogo e comparativismo: Brasil e países hispano-americanos no Suplemento Literário do Minas Gerais, 1974-1985”, faz registro oportuno da atuação de Laís Corrêa de Araújo em sua seção “Roda Gigante”, mantida por décadas no jornal Estado de Minas, que reflete o desinteresse mútuo entre autores latino-americanos: “Em “Romance boliviano”, a autora salientava que: No congresso do Pen Club realizado em Nova York, houve debate sobre a função do escritor na América Latina, de que participaram Pablo Neruda, Victoria Ocampo, Carlos Fuentes e outros intelectuais, tendo o uruguaio Carlos Martinez Moreno salientado especialmente que os escritores sul-americanos são “reciprocamente ignorantes se ignorados uns dos outros” (Araújo, mai. 1867, p.3).
LAJOLO (2006), cruzando dados estatísticos de traduções de livros brasileiros, registrou: “Nos últimos anos a publicação de autores traduzidos vem avançando tanto em títulos quanto em exemplares: 1.670 títulos em 2002, 2.430 em 2003 e 3.200 em 2004. No mesmo período, a publicação nacional encolhe: 9.080 títulos em 2002, 7.220 em 2003 e 6.826 em 2004. E se lembrarmos que é também crescente o capital editorial estrangeiro no país?”
Em importante pesquisa muito considerada em nível acadêmico, HEILBRON e SHAPIRO (2007) assinalam que na estrutura do sistema mundial de tradição de livros “enquanto os países dominantes ´exportam´ amplamente seus produtos culturais e traduzem pouco para suas línguas, os países dominados ´exportam´ pouco e ´importam´ muitos livros estrangeiros, principalmente por meio da tradução.” WERNER, por sua vez, completa: “O mercado editorial brasileiro, como muitos outros no mundo, não tem a tradição de exportar direitos de tradução e por esse motivo a análise do fluxo originado nesse país pode ser tão frutífera. Desse modo, quando uma tradução acontece, suas motivações são mais “fortes” do que as motivações que originam uma tradução que tem o inglês como língua de partida e por isso ela se presta a uma análise interessante.” Esta autora analisa ainda ser o espanhol a primeira língua para a qual muitas das obras literárias brasileiras foram e são traduzidas desde o final do século XIX, mas que uma obra traduzida para o inglês tem muito mais chance de ser traduzida para muitas outras línguas, uma vez que o português é, no sistema de tradução internacional, considerada periférica.
Sente-se, em decorrência destas afirmações haver, também, não só um profundo desinteresse estrangeiro em traduzir autores brasileiros, como uma inegável indiferença que passa desde os campi acadêmicos ao grosso de editoras, além, por extensão, da desinformação da mídia especializada produzida em revistas, suplementos, jornais e publicações virtuais.
Os entraves para o reconhecimento do autor brasileiro no exterior, porém, não param aí. Conclusões obtidas pelo Projeto Conexões, trabalho até então inédito, destinado a fazer o mapeamento internacional da literatura brasileira, promovido pelo Itaú Cultural em 2008, apontou outras causas inviabilizadoras do fluxo de tradução: as editoras investem no marketing de escritores cujos livros tiveram boas vendas no Brasil; os profissionais que trabalham com literatura brasileira no exterior são unânimes em elogiar dicionários como o Aurélio e o Houaiss, mas reclamam de não dispor de bons dicionários bilíngües; é fato contraproducente escritores brasileiros tentar copiar Borges ou Cem Anos de Solidão.
Uma das mais recentes análises da questão decorreu do debate recém-realizado no último dia do II Conexões Itaú Cultural – Encontro Internacional de Literatura Brasileira, dias 1 e 2 de dezembro, no Fórum de Ciência e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Do depoimento da galega Carmen Corral, responsável pela aquisição de direitos internacionais da editora espanhola Tusquets Editores tudo se aproveita em nível de reflexão. Segundo ela, editoras não são Ongs e buscam fechar negócios dentro do seu nicho editorial; tradutor há que ser profissional especializado com indiscutível qualificação; é real a falta de informação, no exterior, sobre o mercado editorial brasileiro, sobretudo na Espanha; ela observou, também, não haver qualquer pacote de resumos traduzidos de obras brasileiras, à semelhança do que ela recebe a cada seis meses de países como Alemanha, Polônia, Turquia e Japão. Além de ter declarado ainda que as bienais brasileiras não têm, até hoje, amplitude internacional, ao contrário, entre outras, das feiras de Guadalajara, no México. Corral foi categórica em “denunciar” que outro problema editorial para autores brasileiros advém dos editores, que em eventos internacionais nunca falam dos escritores do seu país, mas estão sempre à procura de autores estrangeiros. E que, segundo ainda ela, nunca se vê autor brasileiro conhecido divulgando conterrâneos. Argumento corroborado por Lúcia Riff, ao comprovar que os editores brasileiros não falam de seus autores, tendo preocupação exclusiva de comprar direitos autorais de estrangeiros. Outro problema apontado: o fato de os autores brasileiros serem representados em quase sua totalidade por agentes literários não-brasileiros.
Naquele mesmo evento, Luiz Ruffato lembrou que a Fundação Biblioteca Nacional chegou a fazer resumos traduzidos de obras brasileiras, mas o projeto, sem consistência, não vingou. Lê-se no site do Plano Nacional do Livro e Leitura: “O Programa de Apoio à Tradução de Autores Brasileiros concede bolsas de U$3.000,00 pagas aos editores formalmente estabelecidos e com catálogo expresso em números de títulos publicados. A bolsa de tradução é concedida em duas parcelas às editoras estrangeiras interessadas em publicar autor brasileiro ainda não traduzido em sua língua. O prazo para entrega do livro traduzido é de 24 meses a partir da concessão da bolsa. É missão da Fundação Biblioteca Nacional (FBN) apoiar e difundir a produção editorial brasileira no estrangeiro, pois os editores brasileiros não têm contrato dos seus autores para publicá-los em outros idiomas.” Note-se a seguinte advertência da FBN, transcrita ipsis litteris: “Se a FBN não faz esse trabalho de divulgação dos autores brasileiros, eles não serão traduzidos para outros idiomas. Iniciativa similar é praticada por diversos outros países, que apóiam a tradução de seus autores inclusive no Brasil.”
Ruffato contou ao público que no Timor Leste descobriu não haver uma obra sequer de autor brasileiro em nenhuma instituição, salvo na embaixada, onde ouviu do próprio embaixador que “ninguém nesse país se interessa por literatura brasileira.”
Sob a perspectiva da leitura, Roberto Vechi, catedrático de literatura brasileira da Universidade de Bolonha, assinalou que leitores estrangeiros ”inevitavelmente procuram o Brasil nos livros”, o que condiciona, segundo ele, a forte influência dos esterótipos provenientes da imagem do Brasil-paraíso nos livros de Jorge Amado, e do Brasil-inferno contido nas descrições do país arcaico. Na opinião de Vechi, para ser bem aceita em nível de ampla recepção na Europa, p.ex., é preciso que através do agenciamento a literatura brasileira no exterior administre com competência a compreensão de como a obra literária comunica-se com sua própria cultura, o que motivará ou não a literatura brasileira ser lida nas universidades estrangeiras. O professor, todavia, apontou como motivo maior para o autor brasileiro ainda não ser consumido por leitores italianos as traduções amadoras, negligenciadas.
Espaço há, mas não comparável ao concedido aos estrangeiros no Brasil, - para alguns autores que rompem barreiras após geralmente décadas de luterária, ou sustentados por um marketing que venderia a máxima mediocridade como obra-prima da humanidade.
Não se está aqui fazendo reivindicação de traduções primorosas com imprescindível refinamento, posto que essas são dignas se competentes, como sói fazerem os tradutores brasileiros de obras estrangeiras. O que se põe na roda da reflexão espelha o interesse unilateral há pouco pontuado, seja em decorrência da indiferença literária, seja da famigerada “oportunidade comercial.”
A questão está muito além dos “desvios” próprios da tradução, como deslocamentos semânticos, estruturas e pontuação heterodoxas, uso de gíria e linguagem regional ou de época.1 A falta de respaldo, reconhecem GOLDONI/MOLINA2, impediu-nos de desenvolver uma atividade mais contínua e nos obrigou a limitá-la à tradução de textos de curta extensão. Hoje, esta assertiva foi revogada pela profusão de lançamentos de livros estrangeiros. Confira-se na relação dos “mais vendidos” da semana ou do mês quantos são os livros de autores traduzidos.
Não se nega a expansão bilateral de livros entre países como Brasil-Argentina, que têm até acordos institucionais para impulsionar os empreendimentos editoriais em tradições intralingüísticas. O que não se pode negar, todavia, é esse acordo ser pífio ou inexistente em outros países, mesmo de língua espanhola, o que concorre – e muito – para aprofundar o isolamento literário brasileiro em razão (também) do idioma português. É ínfima a obra de autores brasileiros no México, Venezuela, Uruguai, Caribe, Chile e Espanha.
Em 1985, HALLEWELL3 afirmou que o crescimento editorial no mercado hispanófono teve efeito colateral para os autores brasileiros, uma vez que editoras agora prósperas, com ambiciosos programas para publicar obras literárias modernas traduzidas, passaram a se interessar, como parceiras latino-americanas, na inclusão da literatura brasileira contemporânea. Não se tem notícia dos resultados desses programas, ou que escritores brasileiros vivos tenham sido efetivamente beneficiados por eles. Alguém se lembra? Sabe-se, sim, que traduções foram feitas de obras brasileiras que integraram as coleções instituídas sempre com o designativo “os grandes” (romancistas, poetas, novelistas).
O que se quer dizer, por ser o que realmente interessa, é que falta ao mercado editorial estrangeiro assimilar e ampliar a antropofagia oswaldiana da tradução de livros/autores brasileiros. Nesse sentido, a relação dialógica mantém-se unilateral. A produção brasileira carece de ser desprovincianizada por outros idiomas, impor-se pelo reconhecimento, o que inclui o leitor estrangeiro admitir o talento brasileiro para a ousadia, pela criação e o fazer diferença, cuja singularidade somente será possível com a desfronteirização. O autor brasileiro é ainda mantido como o terceiro-excluído, como o classificou Haroldo de Campos – aquele que não obstante seu talento inclusive transcriador, está incluído, por desconhecimento do leitorado “de fora”, a uma literatura menor.
Não seria nenhuma utopia ou sonho impossível se o governo brasileiro, que tanta questão faz de valer-se de sua liderança latino-americana, instituisse o pagamento sistemático de tradutores, junto a editoras através do MEC, no mínimo em espanhol, de obras de autores nacionais recomendadas por critérios de avaliação de comissão bilateral.
Não se pode negar que sem o incentivo apto a dar visibilidade à Literatura brasileira (na qual tem-se de incluir a produção científica), esta manter-se-á monolíngue, limitada em si mesma, “desterrada desde sempre”, ainda com Haroldo de Campos.
Observem os leitores nas entrevistas impressas e televisivas com autores estrangeiros quantos brasileiros são citados e quantas vezes os citados são praticamente os mesmos , com pouca variação de nomes. Ao contrário, quem no Brasil tem o hábito de ler é capaz de citar acima de 10 autores estrangeiros, cujas obras gravitam em livrarias, cursos acadêmicos e telas de cinema e TV.
A persistir a unilateralidade, poder-se-á comparar a situação do livro brasileiro à afirmação de Platão de que ele seria como estátua: “parece ser vivo, mas quando lhe perguntamos algo, não sabe responder.” E dessa forma ter-se-ia, “na impossibilidade do diálogo, não apenas a constatação do outro mas a constatação de que o outro é irredutível4.” Ou dotado de um agir comunicativo conveniente. E, assim, a obra brasileira ficaria, em nível externo, sujeita à perda de sentido “na representação da plenitude das demandas da cultura.5”
“Como transcrever a fala engrolada de uns e o sotaque de outros?”, questiona a narradora do livro “Relato de um certo oriente”, de Milton Hatoum, o que levou SANTOS a se perguntar: como é possível a uma obra “ser para si e ser para o outro6”?
Pode-se discutir a tese de que “entre o global e o local, a ideia de Cone Sul aos poucos vai se definindo como uma estratégia discursiva que favorece a migração de linguagens, idiomas e sentidos”, o que “permite formas de pertencimento a um espaço de ´significação descentrada, aberto a modalidades distintas de atuação narrativa7”. Ou até quando e em que limite ficará a obra brasileira, “na sua excentricidade histórica e geográfica” a reduzir-se a ser “metonímia da condição sócio-cultural periférica no processo de mundialização da economia8”?, como assinala Silvano Santiago.
Notas1.
GOLDINI/MOLINA, 2000.
2. ibidem.
3. HALLEWELL, 1985.
4. SANTOS, 2000.
5. ibidem.
6. ibidem
7. MIRANDA, 1998.
8. SANTIAGO, 2000, apud Santos, 2000.
Referência bibliográfica
SANTOS, Luís Alberto Brandão, PEREIRA, Maria Antonieta. Trocas culturais na América Latina. Belo Horizonte: Fale/UFMG, 2000.
Referências virtuais
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BRASIL, Ubiratan. A ficção nacional que cruza fronteiras. Disponível em: http://64.233.163.132/search?q=cache:sjUuAD-EbCoJ:caquiscaidos.blospot.com/20...
COELHO, Haydée Ribeiro. Diálogo e comparativismo: Brasil e países hispano- americanos no Suplemento Literário do Minas Gerais, 1974-1985. Disponível em: http://www.proec.ufg./br/revista_ufg/dezembro2008/diálogo.html
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PLANO NACIONAL DO LIVRO E LEITURA. Bolsa de tradução de autores brasileiros. Disponível em: http://64.233.163.132/search?q=cacge:WGrXtBs295MJ:www.vivaleitura.com.br/pnll...
PONTES, Felipe. Como se percebe, se lê e se vende literatura brasileira no exterior? Disponível em: http://64.233.163.132/search?q=cache:AfcazHgBfWkJ:portalliteral.terra.com.br/imprj...
SPAGNULO , Marta. Tradução e política cultural na América Latina. Disponível em: http://www.revista.agulha.nom.br/ag60spagnuolo.htm
WERNER, Leiden. O fluxo de traduções do Brasil para o exterior: seis estudos de caso. Disponível em:
http://64.233.163.132/search?q=cache:tzWXjLruQjYJ:www.livroehistoriaeditorial.pr...
Márcio Almeida é mestre em Literatura, professor universitário e jornalista, autor de diversas publicações, poeta e minificcionista, crítico de raridades. marcioalmeidas@hotmail.com
Que beleza isso tudo!!!
ResponderExcluirMe espera pr'um café?