sexta-feira, 30 de abril de 2010

O Amor é a Lei de Deus.

O Amor é a Lei de Deus.

Mirdad adivinha uma inimizade entre dois companheiros, pede a harpa e canta o hino da nova arca.

Capítulo 11

MIRDAD: O Amor é a Lei de Deus. Viveis para que aprendais a amar. Amais para que aprendais a viver. Nenhuma outra lição é exigida do Homem.

E o que é amar, senão aquele que ama absorver o amado de modo a que os dois sejam um?
A quem ou a quê devemos amar? Podemos escolher uma certa folha da Árvore da Vida e despejar sobre ela todo o nosso coração? E o ramo que produziu essa folha? E a haste que sustenta esse ramo? E a casca que protege essa haste? E as raízes que alimentam a casca, os ramos e as folhas? E o solo que envolve as raízes? E o sol, o mar e o ar que fertilizam o solo?
Se uma pequena folha merece vosso amor, quanto mais o merecerá a árvore toda! O amor que corta uma fração do todo, antecipadamente se condena ao sofrimento.
Direis: “Mas há muitas e muitas folhas em uma única árvore: umas são sadias, outras são doentes; umas são belas, outras, feias; algumas são gigantes, outras são anãs. Como poderemos deixar de escolher?”
E vos direi: Da palidez do doente provém a vitalidade do sadio. E vos direi ainda mais, que a fealdade é a paleta, a tinta e o pincel da Beleza; e que o anão não seria anão se não tivesse dado parte de sua estatura ao gigante.
Vós sois a Árvore da Vida. Cuidado para não dividirdes a vós mesmos! Não ponhais um fruto contra outro fruto, uma folha contra outra folha, um ramo contra outro ramo; nem ponhais o ramo contra as raízes, ou a árvore contra a terra-mãe: é exatamente isso que fazeis quando amais uma parte mais do que o restante, ou com exclusão do restante.
Vós sois a Árvore da Vida. Vossas raízes estão em toda parte. Vossos ramos e folhas estão em toda parte. Vossos frutos estão em todas as bocas. Sejam quais forem os frutos dessa árvore; sejam quais forem os seus ramos e folhas; sejam quais forem as suas raízes, serão os vossos frutos; serão as vossas folhas e ramos; serão as vossas raízes. Se quiserdes que a árvore dê frutos doces e aromáticos, se a desejardes sempre forte e verde, cuidai da seiva com que alimentais as suas raízes.
O Amor é a seiva da Vida. O Ódio é o pus da Morte. Mas o Amor, tal como o sangue, precisa não encontrar obstáculos para circular nas veias. Reprimi o movimento do sangue e ele se tornará uma ameaça, uma praga. E o que é o Ódio senão Amor reprimido, ou Amor retido, tornando-se um veneno tanto para o que alimenta como para o alimentado, tanto para o que odeia como para o que é odiado.
Uma folha amarela na vossa Árvore da Vida é somente uma folha à qual faltou Amor. Não culpeis a folha amarela.
Um ramo ressequido é somente um ramo faminto de Amor. Não culpeis o ramo ressequido.
Uma fruta podre é somente uma fruta que foi amamentada com Ódio. Não culpeis a fruta podre. Culpai antes o vosso coração cego e egoísta que repartiu a seiva da vida a uns poucos e a negou a muitos, negando-a assim a ela própria.
Não há outro amor possível senão o amor a si próprio. Mas nenhum ser é real, senão aquele que abrange o Todo. Eis porque Deus é Amor; porque Deus se Ama a Si Mesmo.
Se o Amor vos faz sofrer, é porque ainda não encontrastes o vosso próprio ser, nem achastes ainda a chave de ouro do Amor, pois se amais um ser efêmero, o vosso amor é efêmero.
O amor do homem pela mulher não é Amor. É algo muito diferente. O amor dos pais pelos filhos é tão somente o limiar do sagrado templo do Amor. Enquanto cada homem não amar a todas as mulheres, e vice-versa; enquanto cada criança não for filho de todos os pais e de todas as mães, e vice-versa, deixai que os homens se gabem de carnes e ossos que se apegam a outras carnes e ossos, mas jamais deis a isso o sagrado nome de Amor. Será blasfêmia.
Não tereis um único amigo enquanto vos considerardes inimigo, ainda que seja de um único homem. Como pode o coração que abriga inimizade ser um refúgio seguro para a amizade?
Não conhecereis a alegria do Amor enquanto houver ódio em vossos corações. Se alimentásseis com a seiva da Vida todas as coisas, menos um pequenino verme, esse pequenino verme sozinho tornaria amarga a vossa vida, pois quando amais alguém ou alguma coisa, na realidade, somente amais a vós próprios. Do mesmo modo, quando odiais alguém ou alguma coisa, em verdade odiais a vós mesmos, pois aquilo que odiais está inseparavelmente ligado àquilo que amais, como o verso e o reverso da mesma moeda. Se quiserdes ser honestos convosco mesmos tereis que amar aqueles e aquilo que odiais e aqueles e aquilo que vos odeia, antes de amardes o que amais e o que vos ama.
O Amor não é uma virtude. O Amor é uma necessidade; mais necessidade é do que o pão e a água; mais do que a luz e o ar.
Que ninguém se orgulhe de amar. Deveis respirar no Amor tão natural e livremente como respirais o ar, para dentro e para fora de vossos pulmões, pois o Amor não precisa de ninguém que o exalte. A Amor exaltará o coração que o considerar digno de si.
Não espereis recompensa do Amor. O Amor é, em si mesmo, recompensa suficiente para o Amor, assim como o Ódio é, em si mesmo, castigo bastante para o Ódio.
Não peçais contas ao Amor, pois o Amor não presta contas senão a si mesmo.
O Amor não empresta nem pode ser emprestado; o Amor não compra nem vende; mas quando dá, ele se dá todo inteiro; e quando toma, toma tudo. E o seu dar-se é tomar. Conseqüentemente é o mesmo, hoje, amanhã e sempre.
Assim como um poderoso rio que se esvazia no mar é reabastecido pelo mar, assim deveis esvaziar-nos no Amor para que sejais para sempre enchidos de Amor. A lagoa que retém o presente que o mar lhe dá torna-se uma lagoa de água estagnada.
Não há mais nem menos no Amor. No momento em que tentardes graduar e medir o Amor ele desaparecerá, deixando só amargas recordações.
Nem há agora nem depois, ou aqui e acolá no Amor. Todas as estações são estações do Amor. Todos os locais são próprios para serem habitados pelo Amor.
O Amor não conhece fronteiras nem obstáculos. Um amor cuja ação é impedida por qualquer obstáculo não merece o nome de Amor. Sempre vos ouço dizer que o Amor é cego, no sentido de que não vê defeitos naquele que é amado. Essa espécie de cegueira é o máximo da visão.
Desejaríeis ser sempre tão cegos que não encontrásseis faltas em coisa alguma!
Não! É claro e penetrante o olhar do Amor. Por isso ele não vê faltas. Quando o Amor houver purificado a vossa visão não vereis jamais nada que não seja digno de vosso Amor. Só uma vista despojada de Amor, um olho faltoso, está sempre ocupado em encontrar faltas. E quaisquer faltas que encontre serão as suas próprias faltas.
O Amor integra. O Ódio desintegra. Esta imensa e pesada massa de terra e pedra a que dais o nome de Pico do Altar voaria rapidamente para todos os lados se não fosse conservada unida pela mão do Amor. --- Mesmo os vossos corpos, perecíveis como parecem ser, resistiriam à desintegração se amásseis com a mesma intensidade cada uma das células que o constituem.
O Amor é paz cheia das melodias da Vida. O Ódio é a guerra ansiosa pelos satânicos golpes da Morte.
Que preferis: o Amor para gozardes a paz eterna, ou o Ódio para estardes para sempre em guerra?
Toda a Terra está viva em vós. O Céu e suas hostes estão vivos em vós. Amai, pois a Terra e todos os seus habitantes, se amais a vós mesmos.
Amai o Céu e todos os seus habitantes, se amais a vós mesmos.

Por que odeias Naronda, Abimar?

Naronda: Todos se chocaram com a súbita mudança no tom de voz e nos pensamentos do Mestre, enquanto Abimar e eu ficávamos mudos com a referência tão direta a um desentendimento que havia entre nós e que cuidadosamente escondíamos de todos, não tendo motivos para crer que alguém disso suspeitasse. Todos olharam estarrecidos para nós ambos e ficaram à espera da resposta de Abimar.
Abimar: (Olhando para mim com expressão reprovadora). Você contou algo ao Mestre, Naronda?

Naronda: Quando Abimar disse “O Mestre” meu coração saltou de alegria no meu peito. Havia sido exatamente em torno dessa palavra que nós havíamos desentendido muito tempo antes de Mirdad se haver revelado; dizendo eu que ele era um professor que tinha vindo para nos ensinar e Abimar insistindo em que era um homem vulgar.
MIRDAD: Não olhe para Naronda com desconfiança, Abimar, pois ele não é culpado da tua culpa.
Abimar: Quem vos contou, então? Podeis, também, ler o que está na mente dos homens?
MIRDAD: Mirdad não precisa de espiões nem de intérpretes. Se tu amasses Mirdad como ele te ama, facilmente lerias o que lhe vai na mente e no coração.

Abimar: Perdoe a um cego e surdo, Mestre. Abre os olhos e os ouvidos meus, pois estou ansioso por ver e ouvir.

MIRDAD: Só o Amor faz prodígios. Se queres ver, deixa que o Amor tome conta da pupila de teus olhos. Se queres ouvir, deixa que o Amor tome posse dos tímpanos de teus ouvidos.

Abimar: Mas eu a ninguém odeio, nem mesmo a Naronda.
MIRDAD: Não odiar não é amar, Abimar. O Amor é uma força ativa; a não ser que ela guie todas as tuas ações e passos, não poderás encontrar teu caminho; a não ser que ela satisfaça todos os teus desejos e pensamentos, os pensamentos serão urtigas em teus sonhos; os pensamentos serão canções fúnebres em teus dias.
Agora meu coração é uma harpa me sinto disposto a cantar, onde está tua harpa Zamora?

Zamora: Quereis que eu vá buscá-la, Mestre?

MIRDAD: Vai, Zamora.

Naronda: Zamora logo levantou-se e foi buscar a harpa. Os demais se entreolhavam e admirados se mantinham em silêncio.
Ao voltar Zamora com a harpa, o Mestre gentilmente a tomou de suas mãos e curvando-se sobre ela ternamente, afinou corda por corda, logo depois começou a tocar e cantar:

MIRDAD:
Deus é o comandante, navega, minha Arca!
Mesmo que o Inferno desate suas fúrias
Sobre os vivos e os mortos,
E transforme a terra em chumbo derretido,
Varrendo dois céus todos os indícios,
Deus é o comandante, navega, minha Arca!

O Amor é a bússola, desliza, minha Arca!
Vai para o norte e para o sul, para o oeste e para o leste
E reparte com todos a fortuna do teu cofre.
A tempestade te levará na sua crista
Como um farol para os navegantes nas trevas.
O Amor é a tua bússola, desliza, minha Arca!

A Fé é tua âncora, viaja, minha Arca!
Pode o trovão ribombar e o corisco o céu riscar,
Podem as montanhas tremer e desmoronar,
E o coração do homem enfraquecer tanto
Que se esqueça da centelha sagrada,
A Fé é tua âncora, viaja, minha Arca!

Naronda: O Mestre terminou de cantar e curvou-se sobre a harpa qual mãe se curva, amorosa, sobre o filho que está amamentando. E embora suas cordas já não tremessem, a harpa continuava a vibrar: “Deus é o comandante, navega, minha Arca!” E embora os lábios do Mestre estivessem fechados, sua voz continuou reverberando durante muito tempo, através do Ninho e flutuando em ondas pelos picos das montanhas e até as colinas e no vale, lá embaixo; até o incansável mar, lá embaixo; até a abóbada azul, lá em cima.
Havia uma chuva de estrelas e um arco-íris naquela voz. Havia tremores e furacões de mistura com brisas cantantes e rouxinóis embriagados de canções. Havia mares revoltos e abrumados por neblinas macias. E parecia como se toda a criação estivesse ouvindo com alegre gratidão.
E parecia, ainda, que as Montanhas Alvas, com o Pico do Altar no centro, tivessem sido subitamente separadas da Terra e estivessem flutuando no espaço, majestosas, poderosas e conscientes de seu destino.
Durante os três dias que se seguiram, o Mestre não dirigiu palavra a ninguém.

O Livro de Mirdad
Autor: Mikhail Naimy
Traduzido da edição em inglês -- por alunos do LECTORIUM ROSICRUCIANUM -- publicado em 1954, em Bombaim, Índia.

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