quarta-feira, 24 de março de 2010

Prefácio do livro Monólogo de um preso

Mea culpa, meu amor


Meu marido sempre me pedia pra terminar a revisão do livro dele e fazer o prefácio. “Você faz prefácio pra todo mundo, você faz a revisão pra tanto preso, menos pra mim...” Calma, calma.

Eu sempre achava que daria tempo, que era cedo ainda... Não era. O tempo dele não era o mesmo tempo meu. O dele urgia.

O Sérgio Roberto ou SR-X, como ele preferia, esteve preso durante quase oito anos, passando por diversas penitenciárias. Dia 16 de agosto de 2002 recebeu a tão esperada Liberdade, foi a São Bernardo do Campo e no domingo, dia 18 de agosto, veio a São José dos Campos pra gente se conhecer. Esta data foi a que ele escolheu pra gravar em nossas alianças. Este foi o dia do nosso reencontro. Tão efêmero quanto eterno.

Os sete meses em que ele esteve em Liberdade, trabalhando muito, muito mesmo, até 12/14 horas por dia e estudando, feliz, com pressa de viver tudo de bom, de vivenciar o Bem a cada instante, estivemos unidos de coração pra coração. Uma vez ele me sussurrou ao ouvido: “Se você não é minha alma gêmea, nossos anjos da guarda são.”

Entramos em contato a partir de dois textos meus dedicados aos presos publicados no jornal: Algemas de Amor e Falta poesia nas cadeias. Publico agora no final deste livro com a oração que fazíamos todas as noites.

Trabalho com presos escritores revisando seus textos, orientando, enviando pra concursos, procurando editores, etc. O SR-X era um deles.

A princípio relutei muito em me envolver emocionalmente “a ética, a ética...”, mas ele foi tão sutil, tão delicado, muito sagaz e... muito ousado também. Quando dei por mim I caught in a trap.*

O livro estava praticamente pronto. Só faltando alguns títulos, completar o glossário e uns poucos textos pra revisar. Alguns errinhos ele quis manter de propósito. Ele, quase sem tempo, trabalhando muito, me pediu pra revisar e disse que o que eu fizesse estaria OK.

Dia 20 de março ele saiu pra aula à noite e, quando pedi cuidado – estava de moto – me disse: “Deus sabe de todas as coisas”. Foram as últimas palavras que ouvi dele. Uma caminhonete na contramão provocou o acidente e logo ele entrou em coma, morrendo à 00h50.

O SR-X pretendia que o livro Monólogo de um Preso transformasse o sistema carcerário, que afastasse os jovens das drogas, que os presos aprendessem:

“Aprenda, homem no asilo!

Aprenda, homem na prisão!

Aprenda, mulher na cozinha!

Aprenda, ancião!

Você tem que assumir o comando!”

Bertolt Brecht.


Uma alma sensível, um coração sofrido, um menino abandonado. Relatos pungentes do dia-a-dia dos presídios Mesclados com humor, com alegria, com solidariedade, com revolta, resignação, com um olhar surpreendentemente poético. Um doce alento a todos os nossos irmãos encarcerados. Muita esperança.
 Um choro contido. Grito de Fogo! Fogo!


As passagens pelas penitenciárias:


De l5.12.94 CP de Sorocaba

De l5.l2.94 a 18.09.95 CP/ Santo André

De 18.09.95 a 22.05.98 Casa de Detenção SP

De 22.05.98 a 25.01.99 P.I Mirandópolis

De 25.01.99 a 19.07.99 P.II Bauru

De 19.07.99 a 07.10.99 P.I Itapetininga

De 07.10.99 a 21.03.00 P.II Itapetininga

De 21.03.00 a 16.11.00 P.II A.S. Neto Sorocaba

De 16.11.00 a 27.04.01 Casa de Detenção SP

De 27.04.01 a 11.05.01 P. Carandiru III

De 11.05.01 a 16.08.02 P. Getulina


*Fui apanhada numa armadilha.

Juracy Ribeiro

Nenhum comentário:

Postar um comentário