quarta-feira, 24 de março de 2010

20 de março -- lua-de-mel em Mongaguá

Continuando o post anterior, o dia 20, sexta-feira,  foi uma reviravolta total em casa. Sérgio se levantou bem cedo, antes das 6 pra ir trabalhar de moto em Caçapava. Trabalha como motoboy e estava gostando muito, principalmente por conhecer algumas cidades do Vale do Paraíba. Me levantei  também, tomamos café juntos e fizemos alguns planos pra noite, após minha aula na Univap e dele, na escola Benedito Matarazzo.
Ele foi embora e voltei a dormir.

Sonho premonitório

Sonho que Sérgio está num campo bem aberto, grama rasteira com alguns atores de teatro. Uns cinco atores. Eles rolam na grama. Há uma ribanceira atrás.Eles rolam ao som da música The sound of silence. Sérgio é o único que rola a ribanceira. No sonho, assistindo isso, penso: "nossa! Sérgio é o único que dá o melhor de si. Ele se joga. Ele é muito profundo em tudo o que faz."


Acordei do sonho com barulho da moto e ele chegando. Perguntei o que houve, que ele estava de volta de de quem era a aquela moto branca. A moto dele era Honda, vermelha. Eram umas dez horas. Ele disse que às 8h45 batera a moto num caminhão na Dutra e que aquela moto era do patrão. Senti um nó na garganta. Eu disse que nâo acreditava, e ele arregaçou a manga do blusão me mostrando o cotovelo machucado, braço esfolado, não muito. Comecei a chorar e ele, tirando o blusão, me mostrou o ombro bem esfolado,. Queria que fosse ao pronto-socorro, mas ele me falou pra não fazer drama. Começou a rir de mim. Então perguntei, olhando bem nos olhos dele e já pensando, que exatamente no momento do acidente, eu estava sonhando com ele: "Na Dutra, Sérgio? Você não teve medo?"  Ele deu uma reviravolta no quarto, me olhou firme nos olhos:
-- Medo? Eu res-sus-ci-tei.
Dei um suspiro. Peguei mercúrio, gaze e estava fazendo curativo nele, quando chegaram os missionários mórmons. Eu não queria atendê-los. Queria ficar sozinha com ele nesse momento, mas Sérgio fez questão de recebê-los. Começou a contar pros rapazes como foi o acidente. Perguntei sobre a moto - "Ficou num posto em Caçapava. Amanhã vou buscar".

"Quero nossa lua-de-mel em Mongaguá".

Depois do almoço, ele saiu pra trabalhava numa outra empresa de polpa de fruta, fazendo entregas. Voltou às 5 horas. Estava bem animado, feliz, tinha feito na semana anterior trança nos cabelos, o que tinha ficado lindo. Começamos a conversar sobre planos pro nosso casamento, que já estava marcado pra maio. O rapaz que iria cantar na igreja é o marido da Iracema e viria em casa na segunda à noite pros últimos acertos. Escolhi a música do padre Zezinho A família.
Nossa lua-de-mel seria em Mongaguá. Lá mora o melhor amigo dele, agora não me lembro o nome. Preciso ver na agenda. Nos beijamos muito, muito, muito. E rimos bastante.

Saí pra ir à aula. Resolvi voltar.

Eu estava usando o mesmo vestido de quando o conheci -- preto com flores coloridas. Ele me disse: esse é o vestido! Eu, pronta pra ir à aula. Me despedi dele e da Alice e Tábata, que estavam em casa, cozinhando.
Elas iriam depois pra Urbanova, também, numa entrevista bem informal de emprego da Tábata. Me despedi do Sérgio, e como era sexta, mais tarde a gente ia sair. Andei umas quatro casas pra ir até o ponto de ônibus e resolvi voltar. Minha intuição me fez voltar. E ele:  o que houve? Não vai à aula?
- Não. Muita roupa pra passar.
Ele estava arrumando a mochila pra aula e falando comigo, Alice e Tábata: -- Deixei a carteira pra ser assinada hoje. (Ele queria muito isso, porque estava em liberdade condicional e tinha que se apresentar ao juiz, a cada três meses em São Bernardo do Campo). Vou ter seguro de vida. E olhando pra mim: "Vou deixar um dinheirão pra você torrar com o Ricardão." Fiz cara de quem não gostou e ele, rindo pra Alice: "Sua mãe não gosta que eu fale assim."
E a essa altura da conversa ele estava falando com a boca toda lambuzada de batom vermelho e nem aí.

Deus sabe de todas as coisas.

Ele estava pronto, pegou a capa de chuva, que Elisa dera de presente, mochila, capacete. Fui com ele até o portão. Ele havia passado gel nos cabelos. Pôs o capacete no braço pra dar tempo de secar o gel. Imaginei que logo depois ele colocaria o capacete na cabeça e assim fez. Eu não disse nada, porque ele às vezes me dizia: não sou seu filho. Era treze anos mais jovem que eu. Pensei em dizer: vai com Deus, mas estávamos frequentando a igreja Mórmon e aprendido na prática a não dizer o nome de Deus em vão. Eu disse apenas: Cuidado! E ele me olhando bem nos olhos:"Deus sabe de todas as coisas". Foram as suas últimas palavras.

Saiu de casa às 6h50, às sete sofreu outro acidente, agora na Estrada Velha Rio-São Paulo. Foi socorrido pelo Resgate às 7h30. Às 8h30 o pronto socorro da Vila Industrial me liga -- perguntando se ali morava algum Sérgio Roberto. Não havia nada nos cadernos dele - agenda ficara em casa - nenhum documento ou celular que o indentificasse. Só uma coisa: a carta do amigo de muitos anos, que estava preso em Bauru, de quem ele mais gostava, Luiz Felippe Saldanha de Araujo.
Fomos rapidamente ao hospital e no local do acidente já vimos sangue derramado e destroços da moto espalhados. Nunca saberemos ao certo. Uma caminhonete na contramão - disseram, mas não houve testemunhas e,  quem bateu fugiu em seguida sem prestar socorro.
Sérgio já estava em coma. Estava na UTI. Só Rubem e eu entramos. Eu, muito abalada vendo ele  naquela situação trágica, consegui manter a calma e dizer: "Sérgio, está tudo bem! Os médicos estão se esforçando muito pela sua recuperação bem rápida". Rubem não disse nada. Estava muito transtornado. Ao deixar a UTI me despedi: "Sérgio, fica com Deus. Fica em paz."
O Hospital pediu que voltássemos pra casa. Novas notícias dele só às sete da manhã. Mal chegamos em casa, o telefone toca. O Hospital chamando de volta. Liguei pra São Bernardo do Campo pra avisar a mãe dele, Marluce, e pra Solange, a mãe da Sthefany, filha do Sérgio, então com nove anos.
Elisa, Rubem e eu na sala do médico. Ele me pergunta: O que o Sérgio Roberto é da senhora? -- Marido! Pergunta ao Rubem: -- Padrasto! À Elisa: Padrasto! Faltou Alice. Não conseguimos localizá-la pelo celular. 'Infelizmente o Sérgio não resistiu. Ele morreu meia-noite e dez" --- o médico nos sentenciando à irremediável solidão. Perguntei a ele se eu poderia fazer uma última oração junto ao Sérgio.  Ele disse que até poderia sim, mas que Sérgio já tinha sido levado ao IML. Sérgio estava com 31 anos. Era o início do dia 21 de março de 2003. E Deus sabia de todas as coisas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário